Ferramentas vêm e vão. Métodos são criados e adaptados. Softwares são desenvolvidos.
Tecnologias são aprimoradas. O que está por trás de tudo isto? Pessoas.

Aplicar ferramentas e usar métodos e softwares consolidados pode levar a bons resultados no curto
prazo. No entanto, os negócios hoje mudam em velocidade cada vez maior (em alguns segmentos
de mercado mais rapidamente até do que em outros) e, como não poderia deixar de ser, as
necessidades das empresas que existem por causa destes negócios também mudam. Não é sobre
aplicar ferramentas e métodos por aplicar, é sobre entender o contexto de cada cliente e utilizar o
que faz sentido para ele. Talvez adaptando o que já existe ou até criando “do zero” alguma solução
única para resolver seus problemas específicos.

Simplesmente copiar e tentar aprimorar o que um concorrente de sucesso vem fazendo não se
sustenta. É mais eficiente desenvolver um time que entenda o cliente e tenha a capacidade de
identificar suas necessidades, enxergar oportunidades considerando sua cultura por conta própria
e desenvolva as soluções personalizadas que agregam valor, alinhadas a este propósito. Isto é,
foco no propósito do cliente, não na “moda” do momento.

Um ponto de atenção a observar é que, quando a mentalidade lean ainda não é parte do modo de
ser dos colaboradores, até é possível obter bons resultados com a aplicação de ferramentas, desde
que haja pulso firme e, por muitas vezes enérgico, de um agente de transformação capaz (ou um
pequeno grupo de agentes), que vai (vão) orientar o time de operação. Infelizmente o sucesso vai
depender muito destes agentes e a perenidade das melhorias será frágil, pois quem de fato
sustenta os resultados e alavanca outras ondas de melhoria é quem está “na ponta”, isto é, na
operação.

Por mais que uma melhoria com viés inovador (kakushin) possa acontecer via algum agente externo
à operação, quem vai padronizar o novo processo, que vai permitir executar as melhorias
constantes e incrementais em pequenos lotes (kaizen), ou ainda as melhorias mais abrangentes
(kaikaku) é a equipe de operação – como não poderia deixar de ser.

Fonte: https://adammitchell.co.uk/2018/01/24/kaizen-kaikaku-kakushin-whats-the-difference/

É esperado que, quando o mindset lean ainda não amadureceu o suficiente na organização, os
resultados obtidos com iniciativas como esta recuem ao patamar anterior após não muito tempo.
Os agentes de transformação não necessariamente dão as respostas técnicas para melhoria de
padrões de trabalho ou qualquer iniciativa em prol da excelência, até porque eles não são os
especialistas que conhecem todas as minúcias daquele trabalho objeto da melhoria. Estes agentes
atuam como facilitadores, pois conseguem dar início a processos de melhoria e são capazes de
fazer as perguntas certas para que os colaboradores da operação avaliem e enxerguem o melhor
caminho.

Neste sentido, um agente de transformação atua como o “personal trainer” da operação, guiando
as pessoas no desenvolvimento do pensamento A3, que é a maneira estruturada de: definir um
problema; levantar o estado atual da situação objeto do problema; estudar as causas-raízes do
problema; definir e implementar o plano de ação com contramedidas às causas-raízes identificadas;
e, enfim, realizar o acompanhamento do plano e dos resultados obtidos com sua implementação.

Além disto, eles não permanecem continuamente, são alocados para puxar a transformação (sendo
da própria empresa ou de consultorias contratadas) e precisam sair, senão seu trabalho não obteve
êxito. Sendo assim, o mais difícil é fazer com que as pessoas da operação entendam, aprendam e
se apropriem da filosofia lean, fazendo ser parte do seu modo de agir e de trabalhar. Pode-se dizer
que o trabalho do agente de transformação obteve êxito se, mais do que o resultado de qualquer
melhoria pontual que obtiveram com algum trabalho que ele conduziu, se ele conseguiu fazer as
pessoas se apropriarem do pensamento lean.

A maneira de sustentar a mentalidade lean na organização, que vai permiti-la dar saltos cada vez
maiores ao longo do tempo, é formar agentes multiplicadores dentro dela. São pessoas com perfil
de “early adopters”, que contagiarão as demais, mesmo depois que os agentes de transformação
já tenham ido embora. Identificar pessoas com este perfil é um passo primordial para o sucesso da
transformação culturallean pela qual a organização passará.

Para conseguir tal feito, usamos o Shu-Ha-Ri, que é uma espécie de transferência estruturada de
conhecimento, com o objetivo de fazer o aprendiz atingir a maestria em determinado assunto. No
estágio Shu, o aprendiz somente recebe instruções do mestre e executa, pois ainda tem
conhecimento baixo ou nulo sobre o assunto. No estágio Ha, o aprendiz começa a refletir sobre os
fundamentos, que já domina, podendo começar a propor melhorias. No estágio Ri, o aprendiz passa
ao estado de mestre, sendo capaz de ajustar e propor novos métodos, além de guiar outros na
mesma jornada de aprendizado que ele percorreu.

Fonte: https://getecblog.wordpress.com/2015/09/28/shu-ha-ri-aprendendo-a-aprender-para-um-trabalho-mais-prazeroso/

Para se apropriar genuinamente, é preciso enraizar a filosofialean. Com a filosofia enraizada, a
partir da prática, da mudança de comportamentos e consolidação de uma nova cultura, torna-se
viável a competência lean, por meio da qual as pessoas detêm o conhecimento, têm a habilidade
para utilizar e a atitude para aplicar de fato.

Ao formar pessoas com o pensamento lean, elas serão capazes de observar e enxergar
desperdícios de maneira autônoma e constantemente. Assim, a mentalidade fica tão fortemente
ligada a isto que será natural, de certa forma, a tomada de diversas ações para combater tudo que
não agrega valor. Excelência passa a ser um hábito e tudo funciona melhor quando faz parte do
que você faz por ser parte de quem você é.

Destrinchando a competência lean, temos:

  • Conhecimento: é adquirido continuamente e depende de interesse, pois o campo é muito
    amplo. Baseada na mesma filosofia, a cada dia são aperfeiçoadas e criadas novas
    ferramentas que apoiam a solução de problemas em diferentes indústrias. Apesar de ter tido
    seu berço na indústria automobilística, com a Toyota, a filosofia se disseminou
    primeiramente para as empresas concorrentes na própria indústria automobilística, mas já
    se disseminou para inúmeros setores: hospitalar, aeronáutico, construção civil, alimentos,
    entre outros.

Por exemplo, o Last Planner System é uma expressão da filosofia lean materializada como uma
metodologia de planejamento, gestão e execução de obras, com o objetivo de atacar uma das
variáveis que mais prejudicam a execução das obras: a instabilidade e variabilidade do ambiente
de construção.

  • Habilidade: depende de aprender fazendo. Não há como incorporar profundamente os
    conceitos que não seja fazendo, “botando a mão na massa”. O auxílio de alguém experiente
    é muito importante no direcionamento e na aceleração do aprendizado. Mas depende muito
    mais da pessoa que está aprendendo, pois o verdadeiro sensei (mestre) nunca dá a
    resposta, porém dá a direção para o aluno enxergar e aprender por conta própria. Não dá
    para assumir que, uma vez que a pessoa conheça algum assunto, ela saiba fazer. Há um
    espaço bem grande entre as duas coisas. Assim como no esporte, por mais que o treino
    esteja claro para o atleta, a maestria com que ele executa cada movimento não vai ser a
    melhor possível na primeira vez que o fizer, mas aprimora com o tempo conforme ele
    executa. Ainda, por mais que no treino o atleta domine os movimentos de maneira
    satisfatória, a situação de jogo é diferente, pois ela demanda não só saber executar os
    movimentos com maestria como entender o momento certo de usar cada um. Para executar
    tudo o que se sabe na hora que realmente importa, a hora do jogo, é preciso além de tudo
    isto, ter a confiança, que só é adquirida com treino e experiência. Sugestão de bibliografia
    sobre desenvolver a habilidade lean: Toyota Kata – Rother, Mike.

Conforme citado em parágrafo acima, há uma ferramenta de uso bastante amplo, denominada A3
(por causa da folha de tamanho A3), muito útil para desenvolver o conhecimento e a habilidade da
filosofia lean. Pode ser usada, por exemplo, para: reportar status de algum tema de interesse de
estudo de maneira objetiva e sintética; para investigar causas de problemas, desenvolver planos
de mudança e acompanhamento de melhorias desenvolvidas. Sugestão de bibliografia sobre A3:
Entendendo o Pensamento A3 – Smalley, Art; Sobek II, Durward.

  • Atitude: nada mais é do que a inclinação por sair da inércia e fazer. Às vezes, por mais que
    exista o conhecimento e a habilidade, fatores como a falta de perspectiva de os líderes
    patrocinarem a cultura lean no longo prazo faz com que alguém capacitado não sinta
    vontade de sair da inércia e puxar a organização nesta jornada. Por mais que pareça bem
    intuitivo depois que entendemos o que é o lean, ensinar outros pode não ser tão fácil assim,
    até porque o pensamento lean fomenta a sempre estressar os processos para buscar
    oportunidades de melhoria e isto pode incomodar quem está em sua zona de conforto. Em
    certos casos, pode haver inclusive conflitos, especialmente aqui na cultura ocidental, onde
    não temos enraizado o hábito de receber feedbacks e procurar a melhoria naturalmente.

 

Neste sentido, surgem paradigmas culturais da jornada lean. Alguns exemplos:

  1. Funcionários com medo de tornar seu trabalho tão produtivo que suscitem o risco de
    reavaliação sobre a necessidade de sua própria presença;
  2. Desconfiança no sistema faz com que o planejamento do trabalho ocorra com “gorduras
    artificiais” para abraçar a incerteza;
  3. Iniciativas de implantação de ferramentas e métodos que seguem os princípios lean podem
    ser mal interpretados e encarados como críticas para depreciar o indivíduo e não para fazer
    o sistema melhorar.

Agora, imagino que você, gestor, deve estar com várias perguntas em mente e, espero, ansioso
para plantar a semente lean dentro da sua organização. Para isto, não existe uma “receita de bolo“.
Cada empresa, cada mercado e cada cultura tem suas características, particularidades, pontos
fortes, oportunidades de melhoria e desafios. Para iniciar, sugiro que faça a si mesmo as seguintes
perguntas:

  1. Eu estou incentivando o desenvolvimento da filosofia lean dentro da minha organização?
  2. Hoje quais são nossos pontos fortes? Em qual(is) ponto(s) ainda temos muito a melhorar?
  3. Está claro qual a contribuição esperada dos funcionários para as atividades de valor da
    empresa? Desenvolvo o alinhamento estratégico e tático até os colaboradores da operação,
    deixando nossos objetivos e metas alinhados e, principalmente, consensados com eles?
  4. Minha postura encoraja que minha equipe fale sobre erros para resolvê-los ou sugere que
    eles escondam para não se exporem?
  5. Eu dou autonomia para que os funcionários tomem as atitudes que entendem serem as
    adequadas para responder às necessidades do cliente ou, com minha visão limitada de
    quem não está na operação, defino o modus operandis?

Por tudo isto que foi exposto, se você quer fazer parte de um negócio que prevaleça ao longo dos
anos com sucesso, invista em cultura lean!

Fonte: https://disney.fandom.com/pt-br/wiki/Yoda?file=Master_Yoda.png

 

Autor:David Moura, Consultant of Capital Projects and Infrastructure na VerumPartnersCoautores: Letíscia Rodrigues, Daniel Jardim, Thiago Campos, João Paulo Cunha, Lorenço Graziuso, Paula Leocádio, Vitor Prysbeuka, Ediovana Stopiglia, Guilherme Vaz, Alice Monteiro e Raphael Costa.