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Estamos planejando e gerindo um empreendimento de forma ágil?
O que o processo de estimativa de durações em um cronograma tem a ver empreendimento de forma ágil?
A estimativa das durações é um dos processos críticos no planejamento de um empreendimento. Este processo considera informações sobre as atividades do escopo do projeto, tipos de recursos necessários, quantidades estimadas de recursos e calendários de recursos e dentre as muitas ferramenta e técnicas existentes podemos citar o uso de opinião especializada, estimativas análoga, paramétrica, de três pontos e análise de reservas. Na maioria das vezes, a estimativa é feita, de forma mais simplificada, usando-se a quantidade de trabalho a ser executada, um índice de produtividade conhecido e a definição da quantidade de recurso que será alocada na atividade levando em consideração as restrições locacionais da atividade. O objetivo deste artigo não é detalhar estas técnicas, mas tratar de um aspecto mais subjetivo que envolve este processo.
A hipótese que eu quero colocar em discussão é que a estimativa de durações de um cronograma pode ter um impacto no empenho e desempenho de suas equipes no desenvolvimento de um empreendimento. Percebo que, normalmente, o ritmo e produtividade das equipes de execução de um empreendimento é maior no final do projeto (ou de uma etapa do projeto). Tenho uma percepção, baseada em minha experiência profissional, de que as produtividades das equipes de um empreendimento na fase final da montagem, na completação mecânica, no comissionamento, testes e startup são notavelmente maiores do que nas primeiras etapas do projeto. Parece que as equipes estão mais focadas e produtivas quando o deadline de uma entrega se aproxima. Isto pode ser reflexo da Síndrome do Estudante, comportamento em que fomos treinados na escola, quando deixávamos para trabalhar em uma entrega ou estudar para uma prova nos dias próximos do evento.
Se esta hipótese é verdadeira, surgem duas questões: – Como podemos ser tão produtivos em todas as fases do projeto quanto no seu final e qual a relação disso com o processo de estimativa de duração das atividades do cronograma?
Quando fazemos estimativas de duração de alguma atividade de um cronograma (ou qualquer plano de ação), as incertezas são geralmente proporcionais à etapa em que o projeto se encontra, mas, independentemente do nível de informação que temos, um aspecto sempre influencia diretamente nosso viés neste processo. Temos a tendência de buscarmos as “piores lembranças”, aqueles eventos que vivenciamos (ou tivemos conhecimento) em que a duração de atividade similar foi impactada negativamente, aumentando a duração real. O viés de experiências negativas nos faz estimar uma duração maior, mais próxima da realizada de um histórico mais pessimista. Neste processo mental, os eventos positivos onde estas atividades foram executadas em menor tempo, se lembradas, são normalmente desconsideradas com a justificativa de que aquela produtividade só foi possível porque foi feito um esforço extra ou simplesmente porque foram eventos de exceção, que não deveriam ser considerados como “normais”.
Em termos práticos, para estimativa de durações procuramos usar índices de produtividade conservadores que consideramos como “mais realistas”. Este comportamento é “incentivado” também pelo esforço mental e emocional que temos ao explicar e/ou justificar todo e qualquer atraso do cronograma nas reuniões de gestão da rotina do empreendimento. Em um empreendimento em que o cronograma está sempre atrasado o estresse ruim da equipe está sempre alto. Desta forma, por precaução, acreditamos que uma estimativa mais conservadora nos dará um conforto em termos menores atrasos no cronograma e, consequentemente, um risco menor de exposição da equipe ao apresentar cenários de atrasos.
Uma primeira e impactante consequência deste comportamento é que se uma atividade gastar menos tempo do que a estimativa conservadora do cronograma, muito provavelmente não terá um impacto benéfico no cronograma do empreendimento já que o início da atividade sucessora, quase sempre, não depende só da conclusão da atividade predecessora, mas também de recursos que podem estar comprometidos em outras atividades. Ou seja, enquanto os atrasos são normalmente acumulativos na rede de relacionamento das atividades de um cronograma, as antecipações são perdidas.
Uma outra consequência é que, ao utilizar durações bastante “generosas” para as atividades, a data final do cronograma geralmente não atende à meta do empreendimento. E a forma de “ajustar” isso é, na maioria das vezes, aumentando o paralelismo entre as atividades. Este paralelismo é “aceito” porque, de forma explícita ou implícita, consideramos que “temos gordura nas durações estimadas” e isso poderia compensar o alto número de atividades ou frentes de serviços executadas simultaneamente. Este paralelismo maior pode levar a um cenário de multitarefa nociva e muito provavelmente resultará em um não cumprimento das durações estimadas devido à falta de foco na execução. Um planejamento com excesso de paralelismo faz com que esforço extra de setup entre as atividades aumente a duração total na execução das atividades(*). Ou seja, colocamos uma contingência de duração no cronograma e, ao mesmo tempo, criamos um cenário em que ela é perdida.
E como podemos sair desta situação? Primeiro, é fundamental entender estes conceitos e o impacto destes fenômenos no dia a dia. Isto não é tão difícil. Todos nós temos a tendência em negociar prazos de entrega com “aquela gordurinha” que gastamos já no início da duração prevista para a sua execução. O mais desafiador é a necessidade de mudarmos nosso modo de pensar, de termos a coragem para buscar um novo jeito de fazer as estimativas que vão compor o cronograma do empreendimento. Em um primeiro momento, se alguém propuser não considerar “contingências” nas durações das atividades poderá ser chamado de louco porque “se normalmente trabalhamos atrasados com um cronograma que foi elaborado com durações mais folgadas, se apertarmos mais, o atraso seria maior ainda”! Este paradoxo não é tratado de forma natural por nós.
Uma opção oriunda da teoria da Corrente Crítica do Eliyahu Goldratt, que acho bastante elegante, nos sugere que ao estimar uma duração façamos a seguinte pergunta: “Qual a duração seria estimada para termos uma probabilidade bem grande de cumprir, digamos, entre 80% e 90% de chance de cumprirmos”? (Ou seja, seria mais ou menos a duração conservadora que normalmente usamos). A partir daí, acordaríamos em adotar a metade desta duração conservadora como a duração da atividade para o cronograma, o que resultaria em uma duração com cerca de 50% de probabilidade de ocorrência.
O entendimento desta nova premissa para a estimativa de durações deve estar bem consolidado com os executantes das atividades que, passarão a trabalhar sabendo que as durações estão mais arrojadas e se não formos produtivos desde o início do período de execução da atividade, ela muito provavelmente não será concluída dentro do prazo. Isto reduzirá o efeito da Síndrome de Estudante(**).
Para conseguirmos atingir esta produtividade mais arrojada temos que garantir que o paralelismo entre atividades, se necessário, seja bem analisado quanto aos recursos disponíveis, evitando o máximo possível o compartilhamento de recursos em atividades simultâneas. Isto vai aumentar o foco do executante em sua atividade reduzindo os efeitos da multitarefa nociva.
O ganho de prazo do cronograma deverá ser utilizado como “buffers” da data final do cronograma e em pontos estratégicos dele(***). Por exemplo, podemos colocar “buffers” nas atividades de interface entre diferentes organizações que estejam participando da execução do empreendimento e/ou nas atividades que impactam os caminhos críticos de atividade e de recurso do projeto. O acompanhamento do avanço e as ações preventivas e corretivas do projeto seriam, então, baseado no monitoramento destes “buffers” mais do que simplesmente analisando o atraso na execução de atividades.
O objetivo deste artigo foi provocar uma discussão na busca por alternativas de planejamento e gestão mais ágeis dos empreendimentos, focando no processo de estimativa de durações do cronograma. Se você está passando ou já experimentou alguma situação em que estes fenômenos de síndrome de estudante e multitarefa nociva podem ser identificados no planejamento e na gestão do empreendimento, comente com a sua opinião e com sua experiência. Se você tem algum contraponto ou entendimento diferente deste problema, também comente. A discussão aberta certamente nos fará evoluir para que tenhamos implantação de projetos com menos desperdícios e, consequentemente, mais produtivos. A sociedade espera isso de nós.
(*) Ver artigo https://www.linkedin.com/pulse/multitarefa-nociva-advanced-work-packaging-awp-como-solu%C3%A7%C3%A3o-oliveira/ (**) Uma outra mudança importante, mas bem mais arrojada, na elaboração do cronograma do projeto é procurar planejar as atividades para sua data “mais tarde possível”, que seria um maior avanço para uma gestão ágil dos empreendimentos pois diminui mais ainda o efeito da Síndrome do Estudante. Entendo que com a aumento da maturidade das equipes do empreendimento, uma iniciativa neste sentido é desejável e bastante aplicável. (***) Na teoria da Corrente Crítica é sugerido que este ganho seja parcialmente usado nos “buffers” e parcialmente incorporado como ganho no prazo da conclusão do projeto.
Autor: Paulo Sérgio de Oliveira, Senior Consultant of Capital Projects and Infrastructure na VerumPartners