Há décadas, o setor de construção é reconhecido pelo alto grau de conflitos entre as partes envolvidas em todo o ciclo de vida de um empreendimento. O número de arbitragens registradas por ano na Corte Internacional de Arbitragem (ICC) aumentou de 817 para 946 nos últimos 3 anos[1]. A média global do valor de disputas em 2020 aumentou para R$304 milhões[2] – 77% maior que o ano anterior- e se manteve nesse alto patamar em 2021, com uma pequena redução paraR$294 milhões[3]. Aprofundando mais no assunto, a estes valores podem ser adicionados custos não financeiros de disputas, como relações comerciais prejudicadas, perda de tempo e recursos, indefinições: todos estes ainda mais difíceis quantificar.

Por outro lado, estatísticas recentes transparecem que as principais causas das disputas são:

(1) as partes não entendem ou não cumprem com suas obrigações contratuais;

(2) mudanças supervenientes determinadas pelo cliente e

(3) eventos de força maior.

Esta última é decorrente dos impactos relativos à COVID-19 no setor construção[4], bem como as mudanças climáticas e incertezas mundiais, tais como eventos de guerra e outras repercussões globais das relações entre países.

Analisando as duas primeiras causas, percebemos uma relação direta com os comportamentos dos envolvidos no projeto. Por mais robusto e detalhado que seja o contrato e suas cláusulas, poderão existir discussões e interpretações divergentes, bem como situações supervenientes que favorecem o descumprimento das obrigações. Não se pode descartar, ainda, a possibilidade de que uma das partes procure manejar as disposições contratuais e a própria alocação de riscos, em prol de seus interesses em detrimento das outras partes.

Considerando o aspecto jurídico, é importante destacar que os contratos, sob a ótica do Direito Brasileiro estão sujeitos ao princípio da boa fé[5], que orienta tanto a sua interpretação como a conduta das partes durante a execução. Porém, sob o aspecto do funcionamento do contrato é importante considerar que a conduta das partes deve, idealmente, basear-se numa relação de confiança. Isto porque uma relação de confiança entre as partes tenderá a aumentar as possibilidades de criação de valor durante todo o ciclo de vida do projeto e, ainda, reduzir a probabilidade de disputas.

Por exemplo, na construção de um prédio, a projetista dispõe de diferentes alternativas para a execução das lajes. No entanto, a ausência de uma relação de confiança pode potencializar o não compartilhamento de informações: a projetista pode evitar mencionar as alternativas e detalhá-las, tanto para o cliente quanto para o construtor. Pode haver o receio de incorrer em maiores custos para o desenvolvimento da alternativa, em maior tempo necessário para revisar as suas obrigações contratuais e até mesmo pelos conflitos de exequibilidade que demandariam um tempo adicional não previsto no seu planejamento inicial

Neste cenário, podemos entender que as partes acabam obtendo alternativas e condições menos satisfatórias para atingir seus objetivos do que em um ambiente na qual contassem com mais liberdade para discutir possíveis caminhos e benéficos mais interessantes.

Esse exemplo nos remete a uma situação semelhante à descrita no Dilema do Prisioneiro[6] da Teoria dos Jogos:  na qual o ambiente de incerteza para colaborar se sobressai devido ao medo de que o outro prisioneiro não faça o mesmo (colabore), resultando em uma situação menos favorável para ambos.

Destaque-se que, no contexto representado no dilema, os prisioneiros são separados e não podem se comunicar. Mas, no setor construção, no âmbito de um contrato bilateral, as partes tem a oportunidade de se comunicar e interagir de forma ilimitada, o que deveria facilitar e gerar incentivos e recompensas para atingir objetivos comuns entre as partes. Assim, para que as partes passassem a buscar resultados benéficos comuns bastaria um comportamento simples, de reciprocidade [7]. Não obstante, o que vemos no setor de construção é um nível alto de conflitos e um nível baixo de confiança, o que traz à tona a necessidade de optar por alternativas que possam reverter este cenário.

Interessante observar que, ao analisar relatórios globais de disputas no setor da construção, surgem informações sobre fatores que influenciam a mitigação e o afastamento precoce de pleitos e disputas. Entre tais fatores destaca-se a “disposição das partes em fazer acordos”[8] e “a utilização de mecanismos informais – trato direto, reuniões”, entre outros[9].

Portanto, na busca pela mitigação de conflitos no setor da construção, o estabelecimento de uma relação de confiança é uma medida muito benéfica para melhoria de resultados, redução de conflitos e mitigação de disputas. Para esse propósito, é necessário elaborar bons contratos, que sirvam não somente como base de governança, mas também para prever e colocar em prática mecanismos eficientes de comunicação, compartilhamento de riscos, incentivos e gestão contratual. Além disso, é imprescindível que as partes – cliente, projetista, construtoras, consultorias, dentre outras – enxerguem e entendam que os objetivos próprios são tão importantes quanto os do projeto em si. Em outros termos, que prevaleça a reciprocidade.

 

 

[1] Conforme as estadísticas da Corte Internacional de Arbitragem, “ICC Dispute Resolution 2020 Statistics”, https://iccwbo.org/publication/icc-dispute-resolution-statistics/.
[2] Conforme o Global Construction Disputes Report (2020)
[3] Conforme o Global Construction Disputes Report (2022)
[4] Conforme o Global Construction Disputes Report (2020)
[5] Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé (Código Civil, Lei nº 10.406/2002)
[6] Robert Axelrod, The Evolution of Cooperation, (Basic Books, 2006)
[7] Robert Axelrod, The Evolution of Cooperation, (Basic Books, 2006)
[8] Conforme o Global Construction Disputes Report (2022)
[9] Arcadis, “2020 Global Construction Disputes Report: Collaborating to Achieve Project Excellence”, (2020): 1-32, https://www.arcadis. com/en/united-states/our-perspectives/global-construction-disputes-report-2020/.
Autores: Brian Oliveros, Senior Consultant of Capital Projects and Infrastructure na Verum Partners e Mariana Miraglia, Sócia na Aroeira Salles Advogados.