Imagine acordar numa manhã de terça-feira e descobrir que quase todo o Brasil está sem energia elétrica. Foi exatamente isso que aconteceu em 15 de agosto de 2023, quando cerca de 29 milhões de brasileiros ficaram sem eletricidade devido a falhas em equipamentos de usinas eólicas e solares no Ceará.
Três anos antes, outro evento marcou o país: o ciclone bomba de junho de 2020 deixou cerca de 1,9 milhão de consumidores sem energia elétrica nos três estados do Sul, com rajadas de vento que chegaram a 116 km/h.
Esses casos brasileiros não são isolados. Ao redor do mundo, as alterações climáticas estão gerando impactos crescentes no setor energético: elevação das temperaturas globais, padrões erráticos de precipitação, aumento do nível do mar e eventos climáticos extremos mais frequentes e intensos.
Neste artigo, você entenderá os desafios que os eventos climáticos trazem para a geração de energia, além dos possíveis impactos no sistema elétrico.
O problema: como eventos extremos afetam o sistema elétrico
As transformações do clima representam ameaças significativas para todo o sistema elétrico. Na prática, os impactos podem reduzir eficiência e alterar disponibilidade e potencial de geração de energia, afetando tanto instalações térmicas quanto renováveis.
Já nas redes de transmissão e distribuição, as consequências incluem maiores perdas, mudanças na capacidade de transferência e danos físicos específicos. Paralelamente, espera-se aumento na demanda de eletricidade para resfriamento em muitos países, tornando-se fator determinante para adições de capacidade.
Em muitas nações, a frequência crescente de eventos climáticos extremos, como ondas de calor, incêndios florestais, ciclones e inundações, é uma das principais causas de interrupções em larga escala. O apagão nos Estados Unidos durante o inverno rigoroso de 2021, no Texas, que deixou milhões de pessoas sem energia por vários dias e resultou em centenas de mortes, é um dos exemplos mais graves das falhas em infraestrutura diante de condições climáticas extremas. Outro caso relevante ocorreu após o furacão Beryl, em 2024, quando mais de 2 milhões de pessoas em Houston ficaram sem energia por até 10 dias. Estudos apontaram desigualdades na recuperação, com bairros de menor renda demorando mais a ter o serviço restabelecido.
Já em 25 de fevereiro de 2025, o Chile enfrentou um dos maiores apagões de sua história: uma falha em uma linha de transmissão de 500 kV entre Vallenar e Coquimbo desencadeou um colapso em cascata, afetando cerca de 98% da população chilena. O governo declarou estado de emergência, implementou toque de recolher e mobilizou o transporte alternativo. Mais de 90% da energia foi restabelecida em poucas horas.
Os crescentes impactos destacam necessidade urgente de ação por formuladores de políticas, serviços públicos e partes interessadas. O objetivo maior é aumentar a resiliência de seus sistemas às alterações climáticas.
Conhecendo o conceito: o que é resiliência climática dos sistemas elétricos
A resiliência climática consiste na capacidade de antecipar, absorver, acomodar e se recuperar dos efeitos de eventos potencialmente perigosos relacionados às transformações do clima. Este conceito ajuda formuladores de políticas a identificar melhor a resiliência como elemento fundamental da segurança elétrica.
Na prática, um sistema resiliente possui três dimensões principais:
Robustez: capacidade de suportar mudanças graduais de longo prazo nos padrões climáticos e continuar operando. Usinas termelétricas que utilizam água recirculada para resfriamento, por exemplo, mostram-se mais resilientes ao aumento de temperaturas do que aquelas dependentes de fontes externas como rios ou lagos.
Desenvoltura: habilidade de manter a operação durante choques imediatos, como eventos climáticos extremos. Uma usina hidrelétrica com reservatório de controle de enchentes têm maior probabilidade de sustentar níveis mínimos aceitáveis de operação diante de inundações.
Recuperação: capacidade de restaurar a função do sistema após interrupções resultantes de riscos climáticos. Isso exige planos de contingência detalhados para coordenar comunicação, ativos temporários e força de trabalho.
A adoção da resiliência climática reduz danos e perdas de impactos climáticos e, além disso, também apoia transições para energia limpa, que podem impedir o avanço de transformações climáticas adversas.
Os benefícios econômicos: o retorno dos investimentos em resiliência
Estudos recentes demonstram que os benefícios de sistemas elétricos resilientes superam amplamente os custos na maioria dos cenários. O World Resources Institute (WRI) analisou 320 projetos de adaptação e resiliência climática em 12 países (totalizando US$ 133 bi), e constatou que cada US$ 1 investido gera mais de US$ 10 em benefícios ao longo de 10 anos. A média de retorno real estimada foi de 27% ao ano.
Um relatório do Climate Finance Resource Center corrobora esse retorno: cada US$ 1 investido em infraestrutura resiliente gera em média US$ 4 a US$ 7 em benefícios futuros, com relação custo-benefício média de 4:1, incluindo reduções de perdas e ganhos de desenvolvimento.
De acordo com o Banco Mundial, caso as ações necessárias para resiliência sejam adiadas por dez anos, o custo quase dobrará. Esta urgência econômica torna-se ainda mais evidente quando analisamos casos concretos.
Neste cenário, cabos de transmissão e distribuição subterrâneos exemplificam essa lógica. Conforme o estudo European Environment Agency (EEA), embora os cabos subterrâneos tenham custo inicial maior, que pode chegar de 4 a até 14 vezes mais que linhas aéreas, eles oferecem maior proteção contra ventos, chuva intensa, incêndio e queda de vegetação. Sendo assim , o uso deles reduz significativamente danos potenciais de impactos climáticos e economiza custos de recuperação.
Sabendo disso, em Houston, a CenterPoint Energy propôs enterrar mais de 50% das linhas até 2028 como parte de um plano de US$ 5,75 bi, visando diminuir falhas graves por tempestades. Ainda que isso eleve ligeiramente a tarifa residencial (~US$ 3/mês), os benefícios em resiliência compensam com folga
Exemplos práticos: casos de sucesso e lições aprendidas
Para confirmar a importância da resiliência climática, basta analisar alguns exemplos práticos de como os países estão conduzindo essa estratégia. Veja:
Brasil: o preço da vulnerabilidade climática
O país possui histórico crescente de impactos climáticos no sistema elétrico. O apagão de 15 de agosto de 2023 foi causado por falha no funcionamento de equipamentos de controle de tensão de usinas eólicas e solares, localizados próximos à linha de transmissão Quixadá, que fica em Fortaleza, no Ceará.
Por sua vez, o ciclone bomba de junho de 2020 trouxe o que foi considerado o maior desastre na rede elétrica do Brasil até então. Na ocasião, cerca de 10 milhões de pessoas ficaram sem luz em algum momento no Sul do Brasil por conta dos danos para a rede elétrica.
Para empresas de distribuição de energia, ciclones intensos causam sérios impactos na rede elétrica devido à ação do vento e queda de árvores, capazes de interromper o fornecimento pela derrubada de postes e gerando curtos-circuitos.
Suécia: o valor do investimento preventivo
Quando a tempestade Gudrun atingiu a Suécia em janeiro de 2005, as interrupções nas áreas rurais duraram até 20 dias devido às linhas de distribuição danificadas. Em contraste, áreas urbanas com cabeamento subterrâneo tiveram interrupções de apenas algumas horas.
As operadoras de rede suecas contabilizaram um prejuízo de 250 milhões de euros, enquanto as perdas socioeconômicas totalizaram 3 bilhões de euros. Este caso demonstra como investimentos preventivos em infraestrutura resiliente podem evitar prejuízos exponencialmente maiores.
Soluções regionais personalizadas
Os governos podem apoiar esforços para reduzir danos e custos dos impactos climáticos implementando medidas personalizadas voltadas para tipos específicos de riscos.
Na Califórnia, onde incêndios florestais são grande ameaça, boa manutenção florestal minimiza impactos nas linhas de transmissão e distribuição. Em Bangladesh, país altamente propenso a inundações, US$ 560 milhões para proteção adicional contra inundações poderiam economizar até US$ 1,6 bilhão em danos evitados.
Resiliência Climática e Desenvolvimento Sustentável
O aumento projetado nos riscos climáticos representa grande ameaça ao atendimento do acesso universal à eletricidade, um dos vários Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Em 2023, aproximadamente 675 milhões de pessoas em todo o mundo não tinham acesso à eletricidade, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).
Transformações futuras no clima podem dificultar progresso em direção ao acesso universal à eletricidade, restringindo disponibilidade de recursos, reduzindo eficiência de geração e transmissão de energia e aumentando possibilidades de interrupções.
A adoção de medidas de resiliência climática, como sistema aprimorado para monitorar riscos e estratégia para diversificar o mix de geração, é o melhor caminho para ajudar os países a garantirem acesso confiável às redes de energia.
A eletricidade desempenha papel crítico na transição para sistema de energia de baixo carbono. A falta de resiliência nos sistemas pode obstruir o movimento em busca de energia renovável, especialmente em países cuja infraestrutura é vulnerável a transformações e eventos climáticos extremos.
Desafios de implementação: barreiras de mercado
Os benefícios da resiliência climática e custos dos impactos climáticos tendem a ser distribuídos de forma desigual pela cadeia de valor da eletricidade. A questão central é: quem deve ser responsável por fornecer medidas de resiliência e pagar por elas?
Em princípio, empresas do setor têm responsabilidade e interesse direto em proteger próprios ativos e fornecer serviços confiáveis a clientes. Contudo, vários fatores podem impedir concessionárias de adotar medidas de resiliência na prática:
#1 Benefícios de longo prazo
Os benefícios do investimento no aumento da resiliência climática tendem a se tornar tangíveis somente após alguns anos ou décadas, enquanto o custo de capital da implementação é incorrido imediatamente.
#2 Gestão dos impactos
Quando impactos climáticos interrompem o fornecimento de eletricidade e levam a grandes custos sociais, espera-se que geradores e operadores suportem apenas uma fração de todos os custos sociais.
#3 Falta de Competitividade
Em alguns países, falta de concorrência e presença de condições monopolistas podem desencorajar provedores de investir em medidas de resiliência climática.
Papel dos governos e políticas públicas
Diante de tantos desafios, os formuladores de políticas precisam desempenhar papel crítico na construção de sistemas elétricos resilientes. Para tanto, é fundamental adotar medidas políticas eficazes que possam prevenir potencial falha de mercado, ao mesmo tempo em que colaboram com empresas.
A integração da prática nas políticas de energia e clima pode enviar sinal forte, encorajando setor privado a considerar resiliência climática dos sistemas de eletricidade e abordar potenciais falhas de mercado.
Construir uma estrutura de avaliação clara para impactos climáticos e resiliência é o primeiro passo para garantir que todas as partes interessadas entendam as mudanças necessárias.
Depois de consolidar uma estrutura de avaliação comum, formuladores de políticas precisam enviar sinais apropriados aos provedores de serviços essenciais. Podem encorajar concessionárias a incluir resiliência climática em planos de construção e regimes operacionais, integrando o conceito como elemento central em políticas de energia e clima de longo prazo.
Conclusão e próximos passos
No contexto atual, países que ainda não incorporaram resiliência climática como elemento central de estratégias e planos nacionais precisam agir imediatamente.
A identificação de medidas com boa relação custo-benefício e a criação de mecanismo de incentivo devem encorajar concessionárias a adotar medidas de resiliência, como reforço físico do sistema, melhoria na operação, planejamento de recuperação e capacitação.
A experiência brasileira com eventos como o apagão de 2023 e os ciclones bombas, somada aos casos internacionais como o apagão chileno de 2025 e as interrupções energéticas nos EUA, evidencia a necessidade urgente de investimentos em infraestrutura energética robusta. A resiliência climática não é apenas questão técnica. Mais do que isso, é um instrumento para garantir desenvolvimento sustentável.
O futuro da energia elétrica depende de nossa capacidade de antecipar, absorver e se recuperar dos desafios climáticos. Investir em resiliência hoje significa economizar recursos e vidas, pensando em um amanhã promissor.
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